É sempre assim: num concurso de anónimos que se expõem ao nosso olhar, gostamos mais dos que parecem não querer aquilo. E se cantarem bem, melhor. Já ganhou?
Disseram-me dois dias antes: vais ter de ir ao Ídolos. Assustei-me." Foram duas amigas que o inscreveram. Quando foi aceite, avisaram-no. Acabou por ceder. O resultado, um rapaz de 21 anos que entra pelo casting de viola a dizer "quero ser cantor mas não este programa" deixou o júri de boca aberta e a assistência rendida. Porque, claro, ele tem aquela voz. Quando se tem uma voz assim devia ter-se a noção, não é? Ele diz que não. "Nunca achei isso, que tinha uma voz boa. O cantar não uma questão de agradar, era algo pessoal, de que precisava para me expressar. Não vejo as coisas como cantar bem. Cantava porque me alegrava cantar." Cantava desde pequeno, desde que se lembra, com a irmã mais velha. "Acho que ele canta bem. Para mim: para os outros não sei". Cantava no carro, nas viagens, com os pais, que cantavam também. Cantava na rua, a caminho da escola, "baixinho para as pessoas não ouvirem." Apesar de tanto cantar nunca teve aulas de canto. "Infelizmente", diz. "Foi o ouvido, o habituar a ouvir música."O resultado, ainda assim, não desmerece. No site do programa, ele, o ídolo relutante de São Mamede de Infesta filho de uma comerciante e de um administrativo, finalista do curso de engenharia florestal, leva a palma no número de fãs e é considerado o favorito - seja lá isso o que for. "Quando uma pessoa vê de fora, o programa é uma coisa... Na altura em que fui ao casting a minha ideia do programa era a puxar para o mediatismo. Eu não queria, tento resistir. É estranho, sem dúvida que é estranho".
Naquela primeira vez, disse "Não quero ir a Lisboa, quero acabar o meu curso". Mas foi, e continuou a ir, a fazer galas, a "aparecer". E os pais, como vêem isso? A voz enrouquece quando fala deles, como quando menciona a namorada: "Estão a lidar bem com isto, vêem como uma oportunidade." E é? "É uma oportunidade, de facto, é um salto, é uma forma de ganhar alguma visibilidade e sei que só surge uma vez na vida." Ter visibilidade é sempre bom? "Vou no comboio - continuo a andar de transportes públicos como antes - e as pessoas falam comigo. Geralmente é de uma forma calma, não é escandalosa. Dizem 'Boa sorte'. Assim é bom, até gosto. Mas quando as coisas ficam atribuladas fico preocupado."
E depois? Hesita. "Não sei. Não gosto de antever as coisas. Gosto de ponderar e decidir." Se vai ou não apostar em ser cantor, se vai ou não ter esa hipótese, se pode acumular isso com engenharia florestal - e que se faz, exactamente, em engenharia florestal? Ri. "Costumo brincar e dizer que é jardinagem... Não. Posso fazer muitas coisas. Posso ir para investigação, para a parte de fogos, cinegética. Mas a minha ideia é seguir turismo, que me fascina." Gosta muito do curso, apesar de ter sido a sua quinta opção - a primeira era audiovisuais ("Queria estar perto da música, mesmo que não a cantar").
Uma nota menos boa a português e um chumbo a física determinaram a entrada em ecologia aplicada e depois no curso que agora termina. "Gostava de poder pôr em prática as minhas ideias, os meus projectos. Ter um espaço grande, uma mini-aldeia para poder desenvolver um projecto sustentável..." A vida, assegura, é "banal". "Ocupo o tempo que me sobra de estudar e disto do concurso com a minha namorada, que trabalha - e tento estar com amigos, com a família, aproveitar os bocadinhos que me dão. E oiço música, gosto de passear, adoro passear..." Coisas importantes? Respira fundo. "Há uma coisa que acho muito importante: ser honesto comigo mesmo. Não ser influenciado, mentir a mim próprio. Porque isso implica uma auto-destruição."
Fonte: Diário de Noticias http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1465310



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